OPINIÃO: Busca e apreensão contra pessoas não investigadas

O Código de Processo Penal, no Título VII, Capítulo XI, prevê o instrumento jurídico da busca e apreensão, que possui natureza cautelar, enquadrando-se, portanto, como um mecanismo que visa assegurar o sucesso de um feito principal. No campo criminal, as medidas cautelares buscam assegurar a eficácia da persecução penal. O caráter instrumental das medidas cautelares "é um dos princípios gerais do processo cautelar, sendo própria de ambos os ramos do Direito Processual: o Penal e o Civil" [1], presente, portanto, na medida cautelar de busca e apreensão.


Outrossim, a tutela jurisdicional prestada pelo Estado pode ter caráter definitivo ou provisório [2]. A tutela será definitiva quando houver cognição exauriente, por meio da observância do devido processo legal e um debate profundo sobre o objeto da demanda, resultando em decisões centradas na segurança jurídica (imutabilidade).


A tutela definitiva pode ser satisfativa ou cautelar (não satisfativa). A satisfativa ocorre quando "certificar/efetivar o direito material" [3]. Já a tutela cautelar "não visa à satisfação de um direito (ressalvado, obviamente o próprio direito à cautela), mas, sim, assegurar a sua futura satisfação, protegendo-o" [4].


A medida cautelar de busca e apreensão possui caráter não satisfativo, visto que se destina a assegurar o direito da sociedade a um processo penal eficaz, por meio da elucidação dos fatos apurados e a busca da "descoberta da verdade e a realização da justiça" [5], principais objetivos do processo penal.


Nessa toada, o Código de Processo Penal, no artigo 240, prevê, entre os inúmeros objetivos da busca e apreensão: "e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; h) colher qualquer elemento de convicção". Para atingir esses objetivos, o artigo 243 estabelece que: "o mandado de busca deverá: I - Indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; II - Mencionar o motivo e os fins da diligência; III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir".


Os referidos dispositivos estão em consonância com o objetivo principal de uma investigação, que é, primordialmente, o esclarecimento dos fatos possivelmente delituosos, o que possibilita a utilização de diversos meios de obtenção de prova, entre os quais está a busca e apreensão. Por esse fundamento que o Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, quando trata da questão probatória, estabelece no artigo 380:


"Artigo 380. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa:

I - informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento;

II - exibir coisa ou documento que esteja em seu poder.

Parágrafo único. Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias."


Ou seja, é obrigação do terceiro, externo à relação processual, apresentar as coisas ou documentos que estejam relacionados à elucidação dos fatos em discussão, sob pena de ocorrer a determinação de medidas mandamentais e/ou coercitivas pelo juízo. Entre essas medidas estão as decorrentes do poder geral de cautela, conforme previsão do artigo 797 do Código de Processo Civil, ou medidas como a de busca e apreensão, analisada neste momento.


Não é admissível que um fato possivelmente criminoso não possa ser elucidado pelo simples motivo de o objeto/documento estar na posse de um terceiro que se recusa a apresentá-lo. Entendimento em sentido diverso pode gerar: um escudo protetivo para a prática de crimes (basta colocar os objetos relacionados ao delito em posse de terceiros); um contexto de total impossibilidade de produção probatória por parte do órgão de acusação (não pode ter acesso ao documento/objeto que sabe que poderia esclarecer os fatos); violação ao direito da sociedade ao esclarecimento da prática de delitos; e, de certa forma, possibilita a incriminação e/ou absolvição de possíveis acusados, em virtude da ausência de acesso total às informações relacionadas ao caso apurado. 


Na medida cautelar de busca e apreensão, mitiga-se o direito à inviolabilidade domiciliar e à intimidade em face da necessidade de se esclarecer eventos criminosos, em decorrência de existirem elementos que justifiquem a medida. No momento que se sopesa os direitos fundamentais envolvidos (intimidade x direito à segurança da sociedade), decide-se pela prevalência do direito à segurança, materializado por uma persecução penal eficaz. 


Para o deferimento de uma medida cautelar de busca e apreensão, ante o seu caráter invasivo e atentatório a alguns direitos fundamentais, são necessárias a presença de fortes elementos de materialidade delitiva e a demonstração da necessidade da medida. Não é necessário, contudo, que a pessoa que será submetida à busca e apreensão seja investigado, pois o objetivo primordial desse instrumento jurídico é auxiliar os órgãos de persecução na elucidação dos fatos delitivos e, posteriormente, identificar a autoria do crime.


Entendimento em sentido contrário, repita-se, possibilitaria a criação de um contexto de imunidade de elementos de provas que estivessem em posse de pessoas não investigadas, obstando o objetivo principal da investigação, que é justamente o esclarecimento da prática de um crime.


 

[1] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da e GOMES, Abel Fernandes. Temas de Direito Penal e Processo Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 325.


[2] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Volume 2. Salvador: JusPodivm, 10ª edição, 2015, p. 561.


[3] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Volume 2. Salvador: JusPodivm, 10ª edição, 2015, p. 562.


[4] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Volume 2. Salvador: JusPodivm, 10ª edição, 2015, p. 562.


[5] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974, v. 1, p. 43.





Galtiênio da Cruz Paulino é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.



Revista Consultor Jurídico



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