27 secretários de Segurança se reúnem para discutir estupro: apenas um é mulher


Márcia de Alencar

O presidente interino Michel Temer e seu ministro da da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciaram nesta terça-feira medidas para combater a violência contra a mulher, em uma reação do governo à grande repercussão gerada pelo caso de um estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro.

Após reunião com 27 secretários de Segurança Pública do país, Moraes disse que será criado um núcleo especializado em ações de proteção à mulher diretamente ligado ao Ministério da Justiça, com participação da secretária de Direitos Humanos, Flavia Piovesan, da secretária de Políticas para Mulheres, Flávia Pelaes, e cde representantes dos governos estaduais.

Em breve discurso antes da reunião, Temer também sinalizou a possibilidade de repasse de recursos aos Estados para políticas nesta área. No momento, tanto União como governos estaduais enfrentam dificuldades financeiras.

Em sua fala, o presidente interino valorizou a importância simbólica da reunião para tratar da violência de gênero. Conforme a BBC Brasil noticiou mais cedo, apenas uma Secretaria de Segurança estadual em todo país é comandada por uma mulher - Márcia de Alencar, que está à frente da pasta no Distrito Federal.

"Eu quero voltar a dizer que até esta reunião pode funcionar como símbolo, funcionar como símbolo de que o país está preocupado. Não é apenas o Estado A ou Estado B, mas é o país todo que está preocupado com o fenômeno da violência contra a mulher", disse Temer.

A secretária Nacional de Políticas para as Mulheres, Fátima Pelaes, e o presidente interino Michel Temer, participam de reunião com os secretários de Segurança Pública de todos os Estados, no Ministério da Justiça.

"Eu começo o dia com uma atividade que vai, digamos assim, lavar a minha alma porque vai dar a sensação, pelo menos a impressão saindo daqui, que nós estamos fazendo algo útil para o país. Da palavra, devemos passar para a ação, da ação para execução", acrescentou.

Temer sentou-se ao lado de Flávia Pelaes, que foi confirmada hoje como secretaria. Deputada federal pelo PMDB, ela é evangélica e contra o aborto e, por isso, sua escolha para a Secretaria de Mulheres desagrada o movimento feminista.

Especialistas em segurança pública ouvidas nesta segunda-feira pela BBC Brasil lamentaram a baixa participação de mulheres em uma reunião que discutiria a violência de gênero. Elas também questionaram a eficiência de outra medida anunciada na semana passada por Temer: a criação de um departamento da Mulher na Polícia Federal.

Para a advogada criminalista Maíra Fernandes, integrante do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), a presença de mais mulheres nessa reunião seria fundamental para pensar políticas públicas sob o ponto de vista de quem sofre a violência de gênero.

"Nós queremos sim que os homens se aproximem das pautas relacionadas aos direitos das mulheres. Eles podem ser importantíssimos aliados nisso, e há homens com absoluta sensibilidade, mas nós queremos que eles trabalhem com a gente, não por nós", crítica Fernandes.

Polícia Federal

Já a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, considera que não faz sentido, do ponto de vista de gestão, usar a Polícia Federal no combate à violência contra a mulher. Ela observa que o efetivo da PF é pequeno para esta missão: são 14 mil funcionários, contra um efetivo total no país de 425 mil policiais militares e 118 mil policiais civis.

"A princípio, não faz sentido envolver a Polícia Federal nesse tipo de ação. Estamos falando de um crime que necessariamente é local. Como é possível pensar que uma área da PF vai dar conta de um problema que atinge oficialmente uma mulher a cada 11 minutos?", observa Bueno, lembrando que a violência sexual tende a ser ainda maior, já que é subnotificada.

Na sua avaliação, a melhor contribuição que o governo federal poderia dar nesse tema é incentivar melhores práticas das polícias estaduais, por exemplo criando um protocolo claro com regras de atendimento às vítimas para serem implementados em todas as delegacias, já que as delegacias da Mulher não dão conta de todo o atendimento (funcionam em horário comercial e estão presentes só nas grandes cidades).

Manifestantes em protesto

Isso deveria ser feito, na sua opinião, em trabalho conjunto das secretarias Nacional de Segurança Pública, de Direitos Humanos, e Políticas para Mulheres.

"O papel do Ministério da Justiça é induzir e coordenar ações. Não é promover investigações. Não estamos falando de uma quadrilha de violência sexual", destacou a diretora.

Foram exatamente as críticas à abordagem inicial feita pela polícia do Rio no caso do estupro coletivo da menor que provocaram o afastamento do delegado Alessandro Thiers do comando das investigações. A apuração do crime passou para a delegada Cristiana Bento, da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV).

Thiers, que é titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), foi criticado por ter submetido a menor a novo depoimento, embora ela já tivesse sido ouvida por Bento, que antes de assumir o caso já estava colaborando nas investigações. Além disso, a defesa da vítima acusou o delegado de conduzir o depoimento "de forma machista".
Prevenção
As especialistas ouvidas pela reportagem destacaram também a necessidade de atuar não só na punição, mas também na prevenção, com ações educativas, inclusive nas escolas. Atualmente, segmentos conservadores e religiosos têm se oposto à inclusão do debate da igualdade de gênero e do respeito à diversidade sexual nas escolas.

"Nós mulheres aprendemos diariamente a como produzir nossa segurança pessoal: desde como cruzar as pernas desde os 3 anos, até mudar de calçada, ou como evitar o assédio. E o inverso? Será que os homens aprendem o que é consentimento?", questiona Muniz.

A antropóloga teme que a reunião majoritariamente masculina de secretários de Segurança opte por soluções apenas punitivistas para enfrentar o problema. Nesta segunda-feira, o governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, defendeu a pena de morte para casos de estupro.

Exclusão das mulheres

Para as analistas ouvidas pela BBC Brasil, o grande poder e prestígio das Secretarias de Segurança Pública são fatores que explicam a exclusão das mulheres dessa área. Muniz observa que é comum que esses cargos sirvam como trampolim para carreiras políticas, e as mulheres hoje têm pouco espaço dentro dos partidos.

O próprio Temer iniciou sua carreira política ocupando cargos nesta área, em São Paulo. Nos anos 1980, durante o governo Franco Montoro, foi procurador-geral do Estado e, em seguida, assumiu a Secretaria de Segurança Pública. Sob sua gestão, foi criada a primeira delegacia da Mulher do Brasil.

Apesar disso, foi duramente criticado por ter nomeado um ministério 100% masculino ao assumir interinamente o governo, em abril, após o afastamento temporário da presidente Dilma Rousseff.

Para Samira Bueno, a ausência de ministras no atual governo revela a desvalorização do papel da mulher na nossa sociedade, fator que também está por trás da "cultura do estupro".

"O fato de não ter nenhuma ministra é a grande evidência da desigualdade de gênero e da desvalorização da mulher que a gente tem no Brasil hoje. O maior obstáculo para combater a violência sexual é a cultura do estupro, o machismo, esse pensamento rudimentar que ainda vigora na sociedade".

BBC Brasil em Brasília