FONTE NÃO CONFIÁVEL: O Globo é condenado por publicar notícia sem investigar veracidade

 
 
Empresa jornalística que publica reportagem com base exclusivamente no que foi transmitido pela fonte, sem proceder qualquer tipo de investigação para confirmar a veracidade da informação, tem que arcar com ônus de tal conduta. Foi o que entendeu a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao condenar o jornal O Globo a pagar indenização a Álvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil fluminense e deputado estadual pelo PMDB, que teve o mandato cassado. A decisão foi unânime.
 
Investigado pelo Ministério Público Federal na operação "segurança pública S/A", que desarticulou uma quadrilha que atuava na Secretaria de Segurança Pública do Rio, Lins acabou sendo submetido a um processo disciplinar no Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Rio. A ação administrativa teve início em 9 de junho de 2008.
 
No dia 1 de agosto de 2008, o jornal publicou a notícia: “PF investiga se Álvaro Lins Chantageia Picciani”. A reportagem baseava-se em um suposto relatório da Polícia Federal que revelava que Lins estaria ameaçando vazar um crime atribuído ao presidente da Alerj no passado, caso perdesse o mandato.
 
Na ação, o ex-chefe da Polícia Civil alegou que a notícia “transmitiu aos leitores a ideia de que teria conhecimento sobre um mandado de prisão expedido contra o presidente da Alerj em 1990, pela 1ª  Vara Criminal de Rondorápolis (MT), e que estaria se valendo dessa informação sigilosa para chantagear o então presidente da Alerj para ter alguma vantagem no processo ético-disciplinar”.
 
A matéria foi publicada há 12 dias da sessão de votação na qual os deputados confirmaram a cassação do mandato de ex-chefe da Polícia Civil. De acordo com Lins, a notícia influenciou a votação. Além disso, lhe trouxe outra consequência negativa, pois serviu para embasar o decreto de sua prisão preventiva logo após a perda do mandato.
 
PF nega existência de relatório

Ao contestar a acusação, o jornal ressaltou que se limitou a reproduzir uma informação oficial e que a publicação da matéria não teve nexo causal com a perda do mandato. O Globo argumentou que “a jurisprudência é pacífica ao entender que, em se tratando de fatos públicos, relacionados a investigações, o veículo de comunicação se exime de culpa quando busca fontes fidedignas”. E que apesar de reconhecer que “o jornalista tem o dever de investigar os fatos que deseja publicar, isso não significa dizer que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo”.
 
Requerida, a Polícia Federal informou que o relatório de inteligência em questão não foi produzido por aquele órgão. Diante dos fatos, a primeira instância condenou o jornal a pagar R$ 5 mil por danos morais ao deputado cassado. Ambas as partes recorreram: o autor para pedir uma indenização maior, e o réu para requerer a reforma da decisão.
 
Ao analisar os recursos, o desembargador Carlos José Martins Gomes, que relatou o caso, ponderou que “não se pode considerar ilimitada a atuação da imprensa de noticiar informações que têm acesso, ao argumento de que cumpre o dever de trazer ao conhecimento público informação relevante sobre determinada pessoa ou fatos”.
 
Para o relator, na forma como a notícia foi escrita, o relatório da Polícia Federal se apresentava como elemento essencial, que conferia autoridade e veracidade à informação. No entanto, o documento nunca existiu.
 
“Apesar de a ré ter ouvido o deputado Jorge Picciani, não demonstrou que investigou minimamente o que noticiou. A ré publicou informação unicamente confiando em sua fonte, não tendo mencionado nos autos que tenha buscando confirmar a informação por outro meio. Assim procedendo, a empresa jornalística deve arcar com os ônus de tal conduta, haja vista que restou confirmado nos autos que não havia qualquer relatório na Polícia Federal sobre o assunto noticiado”, afirmou o relator, que votou pela manutenção da sentença. Cabem recursos.
 
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Processo: 0264230-79.2011.8.19.0001

Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
 
Revista Consultor Jurídico