Que tal não roubar?

“O que transformou a Esplanada dos Ministérios numa máquina de moer ministros não foi uma mudança no padrão de comportamento da imprensa”

Rudolfo Lago.
http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/que-tal-nao-roubar/

Para todos os governos brasileiros a partir da redemocratização do país, há um escândalo de corrupção cuja origem foi uma denúncia feita pela imprensa. Um somente, não. Seguramente, mais de um, para não dizer vários. Nenhum governo foi poupado. Esta é a verdade.

Para que não vire um aborrecido compêndio das mazelas públicas recentes de nosso país, vamos relembrar aqui um caso apenas de cada governo. Vamos a eles:

Governo Sarney: A troca de concessões de rádio pelos votos que derrubaram no segundo turno da Constituinte o parlamentarismo e concederam a José Sarney mais um ano de mandato, na criação do Centrão, o grupo parlamentar fisiológico cuja máxima, criada pelo falecido Roberto Cardoso Alves, era “é dando que se recebe”.

Governo Collor: O caso PC Farias, que resultou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, e que dispensa maiores apresentações. Para quem deseja detalhes do importantíssimo papel da imprensa nesse episódio da nossa história, sugere-se a leitura de Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti.

Governo Itamar: O escândalo dos anões do Orçamento, sobre o qual eu, modestamente, tive participação importante na denúncia como jornalista, junto com minha parceirinha Denise Rothenburg. Regina Echeverria, na sua biografia de José Sarney, atribui a mim a invenção da expressão “anões do orçamento”. Por dever de honestidade, explico que não a inventei – o apelido já era usado por alguns no Congresso. Mas, talvez, tenha sido o primeiro a publicá-la.

Primeiro governo Fernando Henrique: O escândalo da compra de votos para aprovar a reeleição de Fernando Henrique, denunciado por Fernando Rodrigues na Folha de S. Paulo.

Segundo governo Fernando Henrique: O caso dos precatórios do DNER. O caso levou à extinção da autarquia e à criação da Controladoria Geral da União (CGU), que pode até ter defeitos, mas é, sem dúvida, um importante avanço no controle interno do Executivo. Também tive uma participação importante nessa história, com meus parceiros Olímpio Cruz Neto e a mesma Denise Rothenburg.

Primeiro governo Lula: O mensalão. Outro caso que dispensa maiores apresentações, que resultou na transformação em réus de figurões da República e do PT, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, e que está para ser julgado pelo STF.

Segundo governo Lula: O caso Erenice Guerra. Braço direito de Dilma Rousseff, sua substituta na Casa Civil quando ela saiu para disputar a Presidência, Erenice praticou tráfico de influência para beneficiar a contratação de empresas.

O que se quer demonstrar aqui é que a construção por alguns do discurso de que a imprensa resolveu agora adotar um padrão denuncista para colecionar demissões de ministros e manter em crise permanente o governo Dilma Rousseff é uma aposta arriscada na falta de memória. Uma aposta que não cola neste colunista e naqueles que vierem a ler as suas linhas. O que transformou a Esplanada dos Ministérios numa máquina de moer ministros não foi uma mudança no padrão de comportamento da imprensa. Quem mudou de padrão de comportamento gerando tal situação foi o governo.

Há duas situações que correm em paralelo. Por seu lado, a elite política brasileira tem, de um modo geral, o vício de se apropriar sem cerimônia do que é público. Isso vem desde a colonização, quando os portugueses resolveram lotear o Brasil, concedendo a cada capitão hereditário um latifúndio – isso já se disse aqui. Na sua faceta mais inocente, usa-se carro oficial para levar a madame ao supermercado. Na faceta mais danosa, superfaturam-se obras, fraudam-se convênios com ONGs, embolsa-se sempre uma parte do dinheiro público. Quando os políticos não enriquecem individualmente com isso, seus partidos utilizam-se de tais esquemas para se financiarem. Isso, infelizmente, virou a regra.

E a imprensa brasileira, por seu lado, estabeleceu há muito tempo como padrão não considerar isso normal. A pauta que se centra na denúncia dos casos de corrupção não é absolutamente nenhuma novidade nos jornais brasileiros. Imaginá-la golpista é ignorar todos os outros aspectos da consolidação democrática brasileira. Nenhuma das denúncias de corrupção desestabilizaram governos por meio de golpe. E nada indica que as próximas provocarão isso. Em apenas um caso, um governo foi deposto, mas pelos meios democráticos previstos na Constituição. Se alguém, por conta de suas conveniências mais recentes, passou a julgar o impeachment de Collor um acidente de percurso, é algo que só se pode lamentar.

É meio difícil enxergar também algo de negativo no fato de a imprensa brasileira ocupar-se de denunciar casos de corrupção. Os casos – ou, pelo menos, a imensa maioria deles – não são inventados. Pelo menos, nenhum dos recentes denunciados no governo Dilma. A opção seria saber dos casos e nada publicar? Além disso, há diversos avanços na fiscalização pública brasileira que podem ser atribuídos ao trabalho da imprensa.

Aí acima, mencionou-se um: a criação da CGU após a denúncia do escândalo dos precatórios do DNER. Mas há outros. A farra de distribuição de emissoras de rádio por Sarney tornou mais rigoroso o critério de concessão. A utilização pelos jornalistas das informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) levou à criação pelo governo do Portal da Transparência. O governo agora está suspendendo os convênios com ONGs para estudar critérios mais rígidos de acompanhamento (e já tinha tomado desde o ano passado algumas medidas nesse sentido). E se Dilma está substituindo ministros envolvidos em corrupção em vez de passar a mão nas suas cabeças, isso também é um avanço.

Isso gera problemas e dores de cabeça para o governo? Certamente que gera. Mas a melhor forma de reparar isso é pedir à imprensa que pare de denunciar? Não seria mais lógico pedir àqueles que lidam com o dinheiro público que parem de roubar?

FONTE: BLOG "NIKYIN CHEGA DE MENTIRA"

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