Heróis e bandidos


Para os gregos, os heróis eram vistos como semideuses, seres de posição intermediária entre deuses e homens e, normalmente, as nações os têm definido em função dos seus feitos e qualidades nobres que os tornam vultos históricos.

“Triste da nação que não tem heróis… Não, triste da nação que precisa de heróis…”, já disse Bertolt Brecht, numa de suas clássicas peças, sobre o mito de Galileu Galilei. Mas como cada povo tem e reconhece os seus heróis, atualmente, a mídia se incumbiu de construir um conceito de heroísmo mais humano, possível de ser atribuído a pessoas comuns que suportam exemplarmente um destino incomum, ou que arriscam sua vida abnegadamente pelo seu dever ou pelo próximo.

É curioso como, ao contrário do que ocorre entre nós, em vários países é fácil encontrar heróis e, mais do que isso, cultuá-los. Não é sem sentido que o jornalista Fernando Secco nos perquire sobre o que acontece com a gente: “Somos bons demais para ter heróis ou o que falta mesmo são bons exemplos?”

Nessa lógica, a cultura literária e cinematográfica ocidental é pródiga em referências a atuações de integrantes de organizações policiais de primeira linha, a exemplo da Interpol inglesa e do FBI americano, especialmente em filmes e seriados de televisão, onde as tropas de elite policiais têm como missão básica: intervir em situações em que os agentes da lei convencionais não dão conta.

Esta remissão trazendo uma marca de nacionalismo deixa claro que, na cultura anglo-americana, polícia é polícia, bandido é bandido. E os policiais são heróis, com poucas exceções. Mas a fórmula americana não funciona no Brasil porque aqui a população tem uma visão menos heroica e muito diferente da sua polícia.

Nesse contexto, o que explica o sucesso de filmes como Tropa de Elite é o mostrar a ambiguidade da polícia em um universo macunaímico onde não há lugar para o maniqueísmo. Não existem o mal completo nem o bem completo, numa fórmula bem parecida com a do sucesso político baseado no rouba, mas faz.

É lógico e natural que, com o sucesso de Tropa de Elite nos cinemas, em tempos de UPPs, seja inevitável pensar-se no Capitão Nascimento, aquele personagem que, depois que meteu o pé na porta, abriu a passagem para que os policiais brasileiros, também, passassem a ser vistos como heróis e o Bope se transformasse na principal referência de polícia neste país.

Mas, como a polícia não se resume às unidades de operações especiais e os dramas cotidianos da violência não envolvem apenas a elite da tropa e as megaoperações contra o tráfico nas favelas do morro do Alemão ou da Rocinha, não podemos nos esquecer de que, amados ou não, há outros policiais que, também, são heróis. Heróis do cotidiano, que arriscam suas vidas para salvar outras vidas, ainda que sem o reconhecimento midiático, social e corporativo.

Historicamente desvalorizados e ocultos, precisando às vezes derramar o próprio sangue para arriscar serem lembrados e entendidos em seu heroísmo, os policiais brasileiros não poderiam ser midiatizados, através das perseguições policiais mirabolantes ou pelas grandes viradas das investigações provocadas por perícias com equipamentos ultramodernos, simplesmente porque tal fórmula não funcionaria num país onde os carros de polícia mal andam e a polícia técnica tem poucos recursos.

Como nos mostram os jornalistas Nelito Fernandes e Mariana Lucena, a volta do heroísmo da polícia na televisão brasileira  jamais poderia se dar nos mesmos moldes do nosso vigilante rodoviário Carlos e o seu fiel cão Lobo. Hoje, mesmo com métodos que estão à margem da lei, recorrendo a práticas ilegais, como a tortura e a execução de criminosos, sejam policiais ou não, filmes como Tropa de Elite I e II e séries como Força Tarefa, 9mm: São Paulo e A lei e o crime, mostram os dois lados da polícia que, em última análise, retratam, em cenas cruéis e duras,  a verdade sobre a condição humana, denunciada por Freud em Totem e Tabu.

Se, freudianamente falando, a humanidade nasce de um assassinato e o crime é fundador, não há como a violência não estar no âmago do humano, cada um de nós carregando em si o germe da guerra civil, sendo lógica a conclusão de que, ao mesmo tempo em que existem policiais corruptos, também existem aqueles que combatem a corrupção, tal e qual o que vemos na vida real, no cinema, nos jornais e na televisão.

Cansados e vazios, agitados e violentos, vivemos um tempo sem futuro, onde fica mais fácil entender Bertolt Brecht: Triste é a Nação, triste é o País que precisa de heróis. Porém, mais triste e indigno ainda é aquele que não os HONRA!

Fonte: Site A Queima Roupa

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