CONFLITO JUDICIAL: EUA decidirá sobre direito de não se autoincriminar



A Suprema Corte dos Estados Unidos aceitou decidir um desentendimento generalizado que ocorre nos tribunais do país. A situação é considerada pelo meio jurídico como um "balaio-de-gatos". Nos últimos anos, nos EUA, o direito do cidadão de permanecer calado para não se autoincriminar passou a ser interpretado de formas diferentes, às vezes diametralmente opostas, por tribunais de todas as instâncias e jurisdições. Agora, caberá à Suprema Corte pacificar a jurisprudência.

O direito do cidadão de não se incriminar foi incorporado à common law em 1640, mas tem raízes na Constituição inglesa de 1215. Nos EUA, foi sacramentado pela Quinta Emenda da Constituição: "Nenhuma pessoa deve ser compelida, em qualquer caso criminal, a testemunhar contra si mesma", diz o dispositivo. E ganhou uma faceta americana com a instituição da advertência policial obrigatória durante prisões, a Miranda Warning ou Miranda rights: "Você tem o direito de permanecer calado e tudo que disser poderá ser usado contra você no tribunal".

Agora, uma das questões a serem examinadas pela Suprema Corte é se o silêncio do cidadão, em interrogatórios policiais, pode ser usado contra ele no julgamento. Hoje em dia, a resposta a essa pergunta, nos EUA, é: "depende". Depende do quê? A realidade, hoje, é que depende de qual tribunal vai decidir o caso. Algumas cortes decidiram que há fatores, como circunstâncias ou peculiaridades dos fatos, que anulam esse direito. Ou seja, passou a ser um direito "relativo".

Por exemplo: esse direito se aplica no caso de uma pessoa que não foi presa? Uma pessoa que foi apenas convidada a comparecer à delegacia para prestar esclarecimentos e que, a um certo ponto, percebe que os investigadores policiais suspeitam dela, pode recorrer a seu direito de permanecer calada? Alguns tribunais entendem que, se não há prisão, não há direito assegurado. E a recusa de responder ao interrogatório policial pode ser usada pelo promotor no julgamento como um indício de culpa. Outros entendem o contrário.

No caso concreto que será usado pela Suprema Corte para resolver a confusão (Salinas vs Texas), a situação é exatamente essa. Os investigadores tinham poucas pistas sobre o assassinato, em 1992, em Houston, dos irmãos Juan e Hector Garza. Tinham as cápsulas vazias das balas de um revólver que coletaram na cena do crime. Ao visitar a casa de Genoveno Salinas, em busca de informações de pessoas que estiveram em uma festa na casa dos irmãos na noite anterior, a polícia foi autorizada a fazer uma busca. E o pai de Salinas entregou aos policiais uma arma que tinha em casa. Salinas, que havia estado na festa, foi convidado a ir a delegacia prestar informações, para ajudar a resolver o caso. Foi avisado que não estava preso.

Na delegacia, Salinas respondeu a todas as perguntas, até o ponto em que um policial lhe perguntou: "Se for feito um exame balístico, ele vai comprovar que as cápsulas coletadas na casa das vítimas pertenciam a esse revólver que nos foi entregue em sua casa? Salinas baixou a cabeça e, daí para a frente, preferiu recorrer a seu direito de ficar calado.

Seu silêncio foi usado contra ele no julgamento. O promotor alegou que isso indicava sua culpa. Como evidências, o promotor utilizou uma testemunha que, em um sonho, recebeu um pedido dos irmãos assassinados para denunciá-lo e que Salinas havia confessado a ele que os matara; um exame balístico; e o fato de a mãe de Salinas ter um carro parecido com o que foi visto saindo da casa das vítimas de madrugada. A defesa contestou essas alegações, incluindo o do exame de balística que, segundo alguns estudos recentes, nem sempre correspondem à verdade. O julgamento foi anulado porque os jurados não conseguiram chegar a um veredicto.

No segundo julgamento, a defesa tentou impedir o uso dessa alegação, mas o juiz a autorizou. O promotor foi mais agressivo e convincente em suas alegações finais. Os jurados aceitaram as alegações e condenaram Salinas a 20 anos de prisão. O Tribunal de Recursos do Texas manteve a condenação: "A Quinta Emenda não se aplica a interrogatórios feitos sem prisão, antes de serem garantidos ao suspeito o benefício dos Miranda Rights", escreveu o relator dos votos vencedores. O Tribunal de Recursos Criminais do Texas manteve a mesma linha de raciocínio, com maioria simples de votos.



Por João Ozorio de Melo - Revista Consultor Jurídico

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