Não cabe à Justiça presumir que uma pessoa flagrada com pequena quantidade de crack e ácido bórico seja traficante e não mera usuária de drogas. Essa análise deve levar em conta a realidade social, na qual se insere a prática conhecida como "pó virado".
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de um homem condenado por tráfico de drogas, conduta do artigo 33 da Lei 11.343/2006, desclassificando-a para consumo pessoal, previsto no artigo 28.
A desclassificação tem como efeito a redução da pena. A condenação foi de 5 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado. Com a mudança, a punição poderá ser de advertência, prestação de serviços comunitários ou medida educativa.
O réu no caso foi flagrado com 0,32 g de crack e 168,8 de ácido bórico. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais concluiu que ele seria traficante porque a segunda substância pode ser usada para preparo de entorpecentes. Relator no STJ, o ministro Messod Azulay considerou a presunção indevida.
O voto destaca que, para determinar se o entorpecente encontrado se destinava ao consumo pessoal, é preciso levar em conta a realidade social, conforme prevê o artigo 28, parágrafo 2º da Lei 11.343/2006. Assim, não se pode desconsiderar a hipótese da prática do "pó virado".
Um estudo feito por pesquisadores da Fiocruz, pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2016 entrevistou 1.062 usuários de crack em São Paulo e observou que 54,3% deles já haviam utilizado mistura de crack ao ácido bórico para os fins de consumo pela via nasal.
Essa combinação transforma a pedra de crack em uma versão inalável, permite efeito mais duradouro e, consequentemente, menores níveis de fissura e paranoia. O "pó virado" é feito pelos próprios usuários, que compram ácido bórico com facilidade em farmácias.
"Diante desses achados, é preciso cuidado redobrado ao avaliar se a conduta de portar drogas e ácido bórico deve ser tipificada como tráfico de drogas ou posse de drogas para uso pessoal", afirmou o ministro Messod Azulay.
"Na hipótese dos autos, a pequena quantidade da droga apreendida (0,32g de crack), bem como a ausência de outros elementos caracterizadores da traficância, levam à conclusão de que os fatos se ajustam melhor ao disposto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006", concluiu. A votação foi unânime.
AREsp 2.271.420
Revista Consultor Jurídico
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