Presos são impedidos de ter acesso aos próprios processos criminais em presídios no Ceará

Após reclamação de advogados na Justiça, Secretaria da Administração Penitenciária disse que detentos podem consultar documentos na biblioteca dos presídios



Advogados ingressaram com um requerimento, na Justiça Estadual, para clientes terem acesso aos próprios processos criminais, enquanto estão presos no Sistema Penitenciário do Ceará. Os defensores foram impedidos de entregar os documentos aos internos, por ordem da direção de presídios.


Um requerimento foi feito pelos advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo, que representam três presos, no dia 20 de outubro do ano passado. Para um detento, a Justiça indeferiu o pedido da defesa. Para os outros, a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP) encontrou uma solução: autorizar que os internos acessem os documentos na biblioteca dos presídios, com horário marcado.


A reportagem apurou que outros advogados enfrentaram a mesma dificuldade e não entregaram os processoas para os clientes, em pelo menos dois presídios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF): a Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica (UP-TOC) e a Unidade Prisional de Aquiraz (UP-Aquiraz) - antigo Centro de Denteção Provisória (CDP).


A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) já havia acionado a Justiça Federal sobre a proibição de o advogado ingressar com material de trabalho, por entender que a determinação da SAP fere uma prerrogativa do profissional, prevista em lei federal, segundo o diretor de Prerrogativas da Ordem no Ceará, advogado Márcio Vitor Albuquerque. Mas a ação judicial também não foi julgada.


É uma prerrogativa do advogado o direito de entrevista com o cliente, e o material de trabalho do advogado é inviolável. Essa é uma atribuição do advogado, principalmente quando ele vai ter uma audiencia, que precisa ter essa tratativa com o cliente. A SAP vem colocando diversos óbices ao trabalho do advogado, por isso procuramos a Justiça."

MÁRCIO VITOR ALBUQUERQUE

Diretor de Prerrogativas da OAB-CE


No pedido à Justiça Estadual, os advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo alegaram que era "urgente e necessário que os Requerentes tenham acesso ao conteúdo das investigações, para que possam analisá-las e auxiliar estes causídicos na elaboração das respostas necessárias à elucidação dos fatos investigados e no próprio patrocínio de suas Defesas Técnicas".


Tal, inclusive, é direito assegurado pela Constituição, decorrente da ampla defesa, a qual se desdobra na Defesa Técnica, exercida por profissional habilitado, e na Autodefesa, exercida pelo próprio investigado/acusado, que tem o direito de conhecer todo o teor das provas produzidas e refutá-las pessoalmente perante a autoridade judicial."

LEANDRO VASQUES E HOLANDA SEGUNDO

Advogados de defesa


Ao apreciar o pedido de um dos presos, a 2ª Vara de Execução Penal considerou, no dia 4 de novembro de 2022, que "a alegada impossibilidade de defesa por falta de acesso a procedimento investigativo parte do indiciado preso não se confirma", pois o detento tinha defesa constituída, com acesso à investigação policial.


A entrega de cópia do procedimento investigativo contra o requerente não é imprescindível para o direito de defesa, e em favor da segurança interna das unidades prisionais envolvidas, assim como regulado pela Portaria nº 04/2020 da Secretaria de Administração Penitenciária – SAP -, indefiro o pedido em relação ao interno que se encontra no CDP."

2ª VARA DE EXECUÇÃO PENAL

Em decisão



TEMA MERECE DISCUSSÃO AMPLA, DEFINE JUSTIÇA


Entretanto, a Vara de Corregedoria de Presídios entendeu, em 16 de novembro último, que o pedido merecia uma discussão ampla, para disciplinar o procedimento adotado em todo o Sistema Penitenciário do Ceará, e intimou a Secretaria da Administração Penitenciária e o Ministério Público do Ceará (MPCE) para se manifestarem sobre a questão.


O MPCE, através da 1ª Promotoria de Justiça de Corregedoria de Presídios e Penas Alternativas, também foi de acordo às determinações da Portaria nº 04/2020 da SAP, que regulamenta e disciplina os procedimentos de visita às pessoas privadas de liberdade, inclusive regra a entrada de materiais nos presídios.


A presença de papéis dentro das celas poderia causar perigo à segurança dos presos, dos policiais penais e dos servidores das Unidades Penitenciárias, segundo o Órgão Acusatório.



Suponhamos a situação em que um preso qualquer responde a cinco processo, cada um com 500 páginas, e que, na cela em que se encontra, existam outros doze internos nas mesma condições processuais. Assim em uma única cela haveriam 6.000 folhas de papel, o que seria inviável por vários motivos, dentre eles a segurança, devido a característica altamente inflamável do material."

MINISTÉRIO PÚBLICO DO CEARÁ

Em manifestação


Já a Secretaria da Administração Penitenciária, em peça assinada pelo secretário Mauro Albuquerque no dia 12 de janeiro deste ano, ponderou que "constantemente 'advogados(as)' estão utilizando de suas prerrogativas profissionais para auxiliar de forma direta na comunicação de seus clientes com o mundo exterior, trazendo recados/bilhetes/diretrizes de diversas formas imagináveis, como por exemplo, em um dos casos um advogado adentro com uma peça jurídica e no interior da unidade onde no seu texto apresentava comunicação externa".


Porém, a SAP se manifestou "no sentido de possibilitar que os causídicos possam, quando da necessidade de que os internos realizem a leitura de seus processos, requerer administrativamente à direção do estabelecimento prisional para que o custodiado tenha agendado um horário para realização da leitura dos documentos na biblioteca da unidade, objetivando garantir a segurança do estabelecimento prisional."


A Secretaria da Administração Penitenciária informa que a natureza da existência das unidades prisionais exigem controle e rigor no acesso a pessoas e objetos. A SAP garante o acesso da pessoa privada de liberdade ao seu processo, desde que seja realizada em local seguro e específico, além de agendamento marcado entre advogado e direção da unidade.


Por Diário do Nordeste

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