POLICIAIS MILITARES PODEM TER DIREITO A SINDICALIZAÇÃO, DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL PODE SER APLICADO CASO PEC 186/2012, SEJA APROVADA
Em que pese a aura democrática de que se reveste a Constituição Federal de 88, esta criou uma espécie de cidadãos de segunda classe ao não aplicar integralmente aos militares os direitos garantidos aos demais servidores do Estado, inclusive por não permitir a eles o direito de greve e de sindicalização, direitos humanos universais e inalienáveis. Negá-los a alguém, é negar-lhe a plena condição de cidadania.
O direito à sindicalização está erigido, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, como um dos direitos humanos fundamentais. Negá-lo a quem quer que seja coloca o Estado como agressor aos direitos humanos. A Convenção nº 98, sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Coletiva, de 01/07/1949, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 49, de 27 de agosto de 1952, e promulgada pelo Decreto nº 33.196, de 29 de junho de 1953, reza que “Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego” e que “Essa
proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem” a “sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato” (art. 1º). Em seguida, diz que “A legislação nacional definirá a medida em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias” nela providas.
proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem” a “sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato” (art. 1º). Em seguida, diz que “A legislação nacional definirá a medida em que se aplicarão às forças armadas e à polícia as garantias” nela providas.
Portanto, o direito à sindicalização está, nos termos da Convenção ratificada pelo Brasil, assegurado tantos aos militares das Forças Armadas como aos da Forças Auxiliares. Por sua vez, a Convenção nº 154, sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, de 19/06/1981, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 22, de 12 de maio de 1992, e promulgada pelo Decreto nº 1.256, de 29/09/1994, diz do “reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva“ e acresce que “A legislação ou a prática nacionais poderão determinar até que ponto as garantias” nela previstas “são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia” (art. 1º). Diante do teor dos dispositivos expostos, o nosso entendimento vai no sentido de que, a partir da ratificação dessas Convenções, estas passaram a alcançar, necessariamente, as Forças Armadas e as Forças Auxiliares do País, restando ao legislador pátrio apenas a alternativa de definir as normas que serão aplicadas de forma restritiva, mas nunca proibitiva, porque esse direito restou assegurado a partir da adesão e subseqüente ratificação do Brasil a esses instrumentos do direito internacional.
Desse modo, não se pode entender restrição como negação, e sim como uma concessão sujeita a regras que impõem determinados limites, até por força de mandamento contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), da qual o Brasil é signatário (grifo nosso): Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses. (artigo 23, IV) Diretamente associado ao direito à sindicalização, exsurge o direito à greve, que, das manifestações coletivas contemporâneas, é, certamente, um dos mais fortes instrumentos de pressão na luta por direitos inerentes ao ser humano.
O direito à greve é uma conquista obtida na luta contra arbitrariedades e outros desmandos cometidos pelos patrões, que poderá ser a própria Administração Pública agindo como empregadora e em polo antagônico aos seus servidores, na medida em que seus interesses nem sempre serão
convergentes.
PEC 186-2012 - Sindicalização
A greve está inserida no direito de resistência, na categoria dos direitos naturais inerentes ao ser humano, dos direitos fundamentais do trabalhador, enquanto pessoa humana, dos direitos que dispensam normas para serem exercidos, pois todo o homem tem o poder-dever de lutar pelos seus direitos, de lutar pela melhoria das condições sociais.
Por isso a greve pode ser entendida como um instrumento da Democracia a serviço da cidadania, enquanto reação pacífica e ordenada contra os atos que desrespeitem a dignidade da pessoa humana. Sindicalização e greve caminham juntas ao longo da história, sendo difícil falar de uma sem alcançar a outra. Ambas indissociáveis da imagem do trabalhador e da sua luta por melhores condições laborativas e de remuneração e, quase sempre, com os seus interesses em pólo antagônico aos interesses do patronato.
Como ensina Júlio César do Prado Leite: A greve é um direito fundamental que se arrima na Declaração dos Direitos do Homem (...) Com efeito, o ato internacional em causa, de modo explícito, cuida de assegurar condições justas e favoráveis de trabalho. Para obtê-las ou confirmá-las todo trabalhador tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para a proteção de seus interesses. Não há greve sem sindicato. O sindicato tornar-se-ia uma mera associação corporativa assistencial se não dispuser do direito de fazer greve. (grifo nosso) O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16/12/1966, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992, colocou o direito à greve de forma expressa (grifos nossos): Artigo 8º
1. Os Estados-Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir: (...) d) O direito de greve, exercido em conformidade com as leis de
cada país.
cada país.
2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da administração pública.Coordenação de Comissões Permanentes - DECOM - P_6748
Da leitura desses dispositivos do Pacto Internacional em questão é possível depreender a greve como um direito fundamental inerente a todos os homens, trabalhadores do setor privado ou do setor público, inclusive os membros das forças armadas e policiais que, se podem e devem ser submetidos a restrições legais quanto ao exercício desse direito, não podem tê-lo simplesmente ignorado. O Pacto, ratificado pelo Brasil, não fala em negação do direito para os militares e policiais, mas apenas em restrições, salvo se o legislador, agindo de deliberada má-fé, pretender levar as restrições a tal monta que as fará equivaler à negação pura e simples desse direito. Hoje, aos integrantes das Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica, no âmbito federal – e das Forças Auxiliares – Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, no âmbito estadual, distrital e territorial –, todos sujeitos ao princípio da hierarquia e da disciplina, é vedado, nos termos da Carta Magna em vigor, por mais justos que sejam seus anseios e reivindicações, o exercício do direto de greve porque esse é o mandamento taxativamente colocado (art. 142, § 3º, IV, da CF/88), aplicável, por extensão, aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 42, § 1.º, da CF/88: Com isso, em plena vigência das regras da democracia, da supremacia dos direitos do homem, foi gerada uma categoria de cidadãos de segunda classe, daqueles que não têm como expressar a insatisfação que perpassa pelas fileiras castrenses, pois vedações de ordem constitucional, aliadas ao princípio da hierarquia e da disciplina, têm servido para calar o descontentamento que aflige os corações e mentes daqueles que sofrem, no seu dia-a-dia, os rigores da atividade militar.
O chavão “hierarquia e disciplina” tem sido utilizado como poderoso instrumento para que não haja diálogo e para que os subalternos não sejam escutados. Tem sido utilizado para fazê-los calar o protesto que trazem contido no peito. A Constituição Federal tem sido empregada para impedi-los de usar o último argumento que resta ao homem probo, ao cidadão correto, seja civil ou militar, quando mais nenhuma alternativa lhe resta para restabelecer ou assegurar aquilo que lhe é negado de direito em termos de dignidade e direitos humanos.
É histórico, no âmbito das Forças Armadas, a lengalenga de que é necessário dar o exemplo, de sacrificar o militar em favor da Pátria – a qual tudo se dá e nada se pede –, que a hierarquia e a disciplina devem ser mantidas a todo o custo, que os militares devem manter-se disciplinados porque os Comandantes estão preocupados e levando ao Ministro da Defesa e ao Chefe do Poder Executivo as necessidades dos seus subordinados, que os Comandantes das Forças e o Ministro da Defesa são os legítimos representantes, os porta-vozes dos anseios dos seus subordinados. Ora, sabidamente, isso não é verdade.
A partir do momento em que os Comandantes das Forças e o Ministro da Defesa são da livre escolha e exoneração do Presidente da República, assim como as promoções dos oficiais generais são também submetidas ao crivo do Chefe do Executivo, é evidente que estes homens passam a representar este Poder perante os seus subordinados, e não os seus subordinados perante o Poder Executivo, como se apregoa pelos quartéis afora.
Os oficiais-generais são homens de confiança do Chefe do Executivo e do Ministro da Defesa que, para alcançar esses postos, evidentemente, fizeram concessões ao longo da carreira, e continuarão a fazê-las para nela permanecerem. Insurgir-se contra as orientações e determinações brotadas do
Governo significaria a exoneração do cargo e o encerramento da carreira. Alguns exemplos de passado recente bem demonstram isso. Assim, quem se arriscaria a defender seus subordinados, contra determinações brotadas do Poder Executivo, com essa espada de Dâmocles sob sua cabeça?
Governo significaria a exoneração do cargo e o encerramento da carreira. Alguns exemplos de passado recente bem demonstram isso. Assim, quem se arriscaria a defender seus subordinados, contra determinações brotadas do Poder Executivo, com essa espada de Dâmocles sob sua cabeça?
Os militares, na realidade, estão órfãos de quem verdadeiramente possa representar os interesses das instituições militares e dos seus integrantes porque não têm quem possa efetivamente falar em nome deles, não dispõem de representação legal, nem de quem possa fazer lobby em favor deles, nem possuem instrumentos legais que possam funcionar como mecanismos de pressão.
Finalmente, tivessem os militares direito à sindicalização, à greve e a outras formas de manifestação coletiva, poderiam ser efetivamente escutados nos seus anseios.
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