Salvatore Riina é figura lendária na Itália. Durante décadas, ele foi o grande chefão da máfia siciliana. Só nas suas mãos morreram dezenas de pessoas, fora os assassinatos que ele ordenou. Riina foi preso em 1993 e, desde então, pouco se ouve falar nele. Agora, aos 83 anos, pode ser o responsável por provocar na Justiça italiana um debate sobre o limite entre segurança pública e privacidade dos presos.
Riina está preso em Milão sob um regime especial de segurança. Para evitar que comande rede mafiosa de dentro do presídio — como acontece com o crime organizado no Brasil —, ele é vigiado 24 horas por dia. Câmeras de segurança na sua cela garantem que todos os movimentos do ex-poderoso chefão sejam monitorados, inclusive suas idas ao banheiro. Além da liberdade, ele perdeu também a privacidade.
Em 2009, Riina resolveu reclamar à Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a vigilância a que está submetido, mas seu pedido foi rejeitado. No mês passado, a corte deu o caso como encerrado e arquivou o processo, sem analisar o mérito da reclamação. É que, de acordo com os critérios de admissibilidade de recursos no tribunal, a apontada violação precisa ser primeiro analisada pelo Judiciário nacional.
No caso de Riina, a Justiça italiana nunca chegou a se debruçar direito sob a questão das câmeras instaladas em sua cela. Ele apelou inúmeras vezes sobre as condições em que está preso, inclusive alegando que não seriam compatíveis com a sua idade e com seu estado de saúde. Não obteve sucesso em nenhuma.
Apenas uma vez, o mafioso apresentou um recurso tímido apontando a vigilância como uma violação a sua privacidade, mas o recurso foi arquivado e ele jamais levou a discussão para a corte de segunda instância. O assunto, que deveria chegar até a Suprema Corte de Cassação da Itália, não chegou a ser discutido nem por um tribunal de segundo grau.
Para a Corte Europeia de Direitos Humanos, isso é motivo suficiente para afastar a sua competência no caso. Riina tentou argumentar que todas as suas derrotas na Justiça italiana tiraram sua confiança no sistema judicial do país e, por isso, a corte europeia deveria interferir. Mas não convenceu. Os juízes europeus o orientaram a questionar a vigilância nos tribunais nacionais para, só depois, levar uma nova reclamação ao tribunal europeu.
Clique aqui para ler em francês a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2014